Fatores
socioeconômicos, institucionais, culturais, biológicos, midiático,
globalização, síndrome do pequeno poder, relações parentais são alguns dos
fatores responsáveis pelo desencadeamento da violência. Domenach (1981) diz
que, a violência está inserida e arraigada nas relações sociais, não podendo
ser considerada apenas como uma força exterior aos indivíduos e grupos que a
eles se impõe. Arendt (1990) relata que a violência tem um caráter
instrumental, ou seja, é um meio e como meio necessita de orientação e
justificação dos fins que persegue.
A
violência está relacionada à estrutura social, por ser estrutural ela deriva da
maneira como a sociedade (capitalista) organiza os meios de produção e de
consumo. A violência estrutural ou institucional está atrelada a forma como as
estruturas sociais podem aplicar uma força que retire as pessoas de seu estado
ou situação ou que lhes obrigue a atuar contra o seu sentir e parecer. Este
tipo de violência se reproduz em diversos momentos do fazer humano. Por
exemplo: a violência que acontece no ambiente familiar reproduz uma violência
estrutural, já instalada, sendo uma violência que se reveste de um caráter
benéfico, ou seja, ela induz aos que são agredidos para que não a percebam como
“violência”, mas sim como um estado natural, esperado pela sociedade, tido como
“normal”, pois seria uma “justificação”, ou seja, é o valor que é dado a um ato
violento e que o torna aceitável, em uma determinada sociedade.
Ela
ainda pode ser entendida como o resultado das condições históricas e sociais
que o ser humano passou, sendo esta atrelada à forma de organização da vida
social. O que faz com que o indivíduo a interprete, como algo natural, em
determinados contextos e em outros não. Sendo possível deduzir que a violência
não está limitada apenas a atos agressivos, pautados na utilização da força
física, mas também mostra seu vigor através de atos coercitivos, como a
violência psicológica e a negligência. Além disso, o fenômeno está totalmente
associado à realidade social e sempre é desempenhada tendo em vista o alcance
de um objetivo, uma finalidade específica, inclusive a finalidade econômica, ou
“apenas” a submissão.
Ao
analisar, o filme: Precisamos falar sobre o Kevin, percebe-se que o ato
violento do adolescente é o produto da relação mútua, em que o agressor e
agredido interagem de maneira contínua, com interesses conflitantes. No
processo de desencadeamento de um ato violento não deve deixar de levar em
consideração os aspectos familiares, ambientais, circunstanciais, os eventos
objetivos, subjetivos, conscientes e inconscientes. Sendo este, entendido como
o resultado do construto social, em que as sensações e sentimentos corporais se
originam em parte de estímulos externos, em parte de estímulos internos, nas
representações e pensamentos, como também por motivo de doença.
O que caracteriza o
ser-no-mundo de cada indivíduo provém da maneira com este dá significado às
experiências e de como elas são significadas em função do aprendizado, formal e
informal, e do potencial biológico (genético e ambiental) de cada um. A criança
no início de sua aprendizagem formal deve apresentar: a) maturidade intelectual;
b) emancipação emocional de seus pais, com a possibilidade de uma interação
extrafamiliar e c) capacidade para controlar seus afetos e suas respostas
emocionais, bem como a resistir a frustrações e a demanda do meio.
Um ato de violência é uma
resposta que a depender do contexto cultural é percebida como “normal” ou
“anormal”. No caso de Kevin, percebe-se que ele possuía maturidade intelectual,
porém lhe faltou regras, limites, lei, mesmo com os esforços empreendidos pela
mãe para recuperar o vínculo afetivo com o filho. Sabe-se que a base
psicológica da personalidade infantil são os pais, quando existe uma
deficiência nessa base há o desencadeamento de diversos tipos de
personalidades. Kevin se caracterizou como ser-no-mundo como um produto das
relações entre o plano genético e das suas experiências pessoais era uma
“bomba” ambulante, em que suas ações sempre tinham como objetivo tirar proveito
em algo e machucar a sua genitora.
Por personalidade entende-se como aquilo que
“somos”, que nos constitui, e isso inclui comportamentos, sentimentos, ações e
as maneiras como percebemos e lidamos com o outro. A formação dessa
personalidade, ou estrutura, ocorre durante longos anos da nossa existência
sendo um processo gradual, complexo e contínuo, que tem início na infância se
reafirmando na adolescência, chegando à fase adulta como um padrão consistente
na relação com o meio, em que a família, religião, valores e educação têm um
papel importante nessa formação.
Nessa perspectiva está Kevin num contexto
familiar em que não existem regras, limites, com figuras parentais que
constroem a sua personalidade de forma patológica gerando um indivíduo com
prejuízo na adaptação e na relação com o meio, produzindo sofrimento psíquico
para ele e para os que o cercam. As percepções que Kevin faz de si e dos outros
está totalmente alterada e mal adaptada, apresentando uma falha de conduta,
sendo danoso para si e para os outros. Ele de certa forma quis devolver a sua
mãe toda a repulsa inicial que ela havia lhe transmitido em quando este era
bebê, deixando-a através do seu ato de violência a mercê do julgamento da
sociedade e principalmente na busca de entender o que se passou e onde ela
poderia ter falhado em sua educação.
Dessa
forma, ao confrontar o conceito de violência e o filme percebe-se que a
violência muitas vezes está escondida numa relação de dominação de um pólo
sobre o outro, mantida através de instrumentos ou meios de dominação, que são
em grande parte subliminares. Esse fenômeno é, assim, algo que foi sendo
construído durante a história social do homem e que, por conseguinte, está
relacionado com a forma de apropriação e objetivação da cultura pelo indivíduo.
O ato violento de Kevin desencadeou-se a partir de sua predisposição genética
estimulada pelas contingências ambientes e culturais que condicionaram o seu
comportamento agressivo, dramático, mentiroso e imprevisível, bem como a sua
forma de estar no mundo.
Referências
Precisamos falar sobre o Kevin. Direção: Lynne Ramsay, Drama, 110min, 2011.