Papo Psi

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"Sou meu próprio líder ando em círculos, me equilibro entre dias e noites, minha vida toda espera algo de mim, meio sorriso, meia-lua toda tarde..." (Renato Russo). E assim que me descrevo busco ser autora da minha vida e brilhar sempre no palco da vida, apesar das intempéries.Almejo sempre meu equilíbrio e paz interior numa compreensão mútua. O que faço:Graduanda de Psicologia da Faculdade Santíssimo Sacramento, hoje no 9º semestre e Sargento da Polícia Militar.

domingo, 20 de maio de 2012

Análise do filme Nó na garganta


    A doença é um produto da relação mútua da qual agressor e agredido interagem de maneira contínua, com interesses conflitantes. No processo patológico não deve deixar de serem considerados os aspectos familiares, ambientais, circunstanciais, os eventos objetivos, subjetivos, conscientes e inconscientes, os quais são mediados por um sistema de neurotransmissão que não podem ser considerados de maneira retilínea e uniforme como causa e consequência, mas sim como um mediador do fenômeno patológico. 
 O processo de patologia mental é o resultado do construto social, em que as sensações e sentimentos corporais se originam em parte de estímulos externos, em parte de estímulos internos, nas representações e pensamentos, como também podem ser desencadeados por doenças. O que caracteriza o ser-no-mundo de cada indivíduo provém da maneira com este dá significado às experiências e de como elas são significadas em função do aprendizado, formal e informal, e do potencial biológico (genético e ambiental) de cada um. A criança no início de sua aprendizagem formal deve apresentar: a) maturidade intelectual; b) emancipação emocional de seus pais, com a possibilidade de uma interação extrafamiliar e c) capacidade para controlar seus afetos e suas respostas emocionais, bem como a resistir a frustrações e a demanda do meio.
Um transtorno psicológico é uma resposta que não é “normal” nem esperada no que diz respeito ao aspecto cultural. No caso do garoto Francie, percebe-se que ele possuía maturidade intelectual, inclusive era bastante inteligente para a sua faixa etária, porém lhe faltou à emancipação emocional dos pais, que compunha uma estrutura familiar em que o pai era um músico, alcoolista, fracassado; a mãe apresentava sintomas compatíveis com o transtorno maníaco-depressivo, tinha uma compulsão em fazer doces, havia tentado o suicídio e por esse motivo foi internada no hospital psiquiátrico. Faltando-lhe também a capacidade para resistir às frustrações e demandas do meio, uma vez que ele vivia no contexto social extremamente hostil, coercitivo, num ambiente doentio que o levou ao adoecimento psíquico.
 Francie se caracterizou como ser-no-mundo como um produto das relações entre o plano genético e das suas experiências pessoais era uma “bomba” ambulante, em que suas ações sempre tinham como objetivo tirar proveito em algo e machucar os demais. Tudo cercado por um falso sentimento de culpa ou preocupação.
  Carregado pela herença genética que o predispunha a agitação, ansiedade, agressividade, os quais foram reforçados pelo contexto no qual ele estava inserido, ajudando-o a se tornar uma criança cujos comportamentos eram caracterizados pelos sintomas de transtorno de conduta associado ao transtorno de personalidade esquizotípica, em que apresentava um padrão repetitivo e persistente de conduta anti-social, agressiva, desafiadora, incendiária, com mentiras repetitivas, instável e fuga de casa.
 Por personalidade entende-se como aquilo que “somos”, que nos constitui, e isso inclui comportamentos, sentimentos, ações e as maneiras como percebemos e lidamos com o outro. A formação dessa personalidade, ou estrutura, ocorre durante longos anos da nossa existência sendo um processo gradual, complexo e contínuo, que tem início na infância se reafirmando na adolescência, chegando na fase adulta como um padrão consistente na relação com o meio, em que a família, religião, valores e educação têm um papel importante nessa formação.
 Nessa perspectiva está Francie num contexto familiar sem qualquer parâmetro de valores morais, sem cuidados e com figuras parentais que constroem a sua personalidade de forma patológica gerando um indivíduo com prejuízo na adaptação e na relação com o meio, produzindo sofrimento psíquico para ele e para os que o cercam. As percepções que Francie faz de si e dos outros está totalmente alterada e mal adaptada, apresentando uma falha de conduta, sendo danoso para si e para os outros.
 Dramático, imprevisível, irregular, manipulador, não sabe ouvir um “não” como resposta. O seu único e verdadeiro relacionamento é com o garoto Joe do qual exigia uma atenção especial e qualquer negação por parte de Joe era encarado com muita profundidade, demonstrando um medo desproporcional de abandono sendo capaz de fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para não perder essa amizade.    
O desenvolvimento da sua psicopatologia se dar através de sua predisposição genética aliada ao reforço diário que ele tem de seus pais e da sociedade em que ele está inserido. Após a morte de sua mãe ele vai trabalhar num açougue para ajudar a complementar a renda familiar presenciando atos de violência na matança dos porcos, aguçando ainda mais o seu padrão agressivo.  O ápice da sua patologia se instaura quando ele percebe que a sua amizade com Joe está ameaçada pela senhora Nugent que o rotula como uma criança má. E esse sentimento de perda daquilo que o completa que lhe transmite a sensação de pertença num mundo lhe consome psicologicamente. Ele vai encontrar refúgio na imaginação numa mistura entre elementos religiosos, revistas em quadrinhos, filmes e seriados de classe B.
 Sempre cercado por hostilidade e solidão, apresenta dificuldades na expressão verbal de afeto, desenvolvendo relações interpessoais, de forma características ao desenvolvimento emocional dos componentes da família da qual faz parte. Gerando, a partir disso, um novo mundo que cria novos estados mentais que constituem um novo ser. Assim, as relações intrafamiliares são retroalimentadas, com cada elemento influindo diretamente nos outros. Francie oscilava de um retraimento seguido por um surto de comportamento violento, agressivo ou homicida direcionado a pessoa ou objetos que foram precipitados pelos insultos que a senhora Nugent direcionava a ele.
Tomando como parâmetro o conceito de evolução que é um processo de adaptação, pode-se entender que Francie evoluiu e se adaptou convenientemente a situação nova, como a morte dos pais e a perda da amizade de Joe combinando de outra forma as mornas de condutas ditas aceitáveis. A capacidade de solucionar os problemas foi profundamente influenciada pelo aprendizado que ele teve.
Dessa forma, o processo psicopatológico de Francie desencadeou-se a partir de sua predisposição genética estimulada pelas contingências ambientes, que condicionaram o seu comportamento agressivo, dramático, mentiroso e imprevisível, bem como a sua forma de estar no mundo.




Referências

JORDAN, Neil. Nó na garganta. EUA, 1997. Duração: 109 minutos.
ASSUMPÇÃO JR. Francisco B. Psicopatologia Evolutiva. Porto Alegre: Artemed, 2008. (PP. 25 – 88).

Psicodiagnóstico nos filmes Tratamento de Choque e Terapia do Amor


Psicodiagnóstico é entendido como um processo que tem como finalidade identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, cujo foco está na existência ou não de psicopatologia. Tendo como etapas: a) entrevista inicial; b) construção da hipótese diagnóstica, c) enquadramento clínico; d) relação terapeuta-cliente; e) entrevista de devolução.
No filme Tratamento de Choque e Terapia do Amor, a entrevista inicial intitulada como um processo de levantamento prévio das hipóteses, que serão confirmadas ou infirmadas através de passos predeterminados e com objetivos precisos, com o intuito de conhecer o sujeito em sua profundidade, visando compreender a situação que o levou a entrevista. É realizada no primeiro filme através da elaboração de um plano de avaliação, a partir dos relatos da noiva do cliente, em que o terapeuta planeja uma estratégia de investigação /exploração da personalidade do cliente expondo este a eventos estressores, utilizando de uma entrevista de estruturação livre, uma vez que o terapeuta possuía o motivo manifesto da consulta e ao expor esse cliente a eventos estressores chegou à hipótese diagnóstica e ao enquadramento de personalidade agressiva intrusiva.
Já no segundo filme perceber-se que a entrevista inicial, hipótese diagnóstica, enquadramento seguiu os trâmites gerais, pois neste filme a cliente procurou o serviço de livre e espontânea vontade, após vivenciar um processo de divórcio.
Ambos os filmes falham na relação terapeuta-cliente, pois o papel do psicólogo(a) é tatear pelos meandros da angústia, desconfiança e do sofrimento do cliente e esse tatear é lidar com as inúmeras resistências do processo, sentimentos ambivalentes e situações desconhecidas, cabendo ao psicólogo (a) observar, perceber, escutar com tranquilidade, aproximar-se sem ser coercitivo, inquiridor, ”todo – poderoso”.
No filme Tratamento de Choque observa-se que a todo instante o terapeuta é invasivo, coercitivo, inquiridor, o “todo – poderoso” dificultando inicialmente, o processo de formação do vinculo, do rapport da relação sujeito – psicólogo (a), pois o terapeuta estabeleceu uma proximidade além da necessária para consecução do processo. Já no filme Terapia do Amor a terapeuta seguiu os trâmites cabíveis ao papel do psicólogo (a) no setting terapêutico havendo a formação do vínculo saudável. Mas a terapeuta falha quando se acha capaz de continuar a terapia, quando esta já envolvia demandas de cunho pessoal da terapeuta indo além do que ela poderia lidar e/ou absorver, passando a investigar uma situação, mais que sorrateiramente estava levando a investigar o relacionamento amoroso do filho.
Dessa forma, os filmes trazem a baila uma reflexão sobre o processo terapêutico, suas etapas, o papel e o comportamento do profissional de psicologia, seus limites e possibilidades que são importantes para a formação dos futuros profissionais do campo “psi”.

Análise do documentário Janela da Alma


A existência é um processo que acontece ao longo do tempo, de forma dinâmica; a cada momento que passa o indivíduo aprende algo ou agrega algo a si que passa a fazer parte dele, à medida que o sujeito consegue ser um e não pedaços que o forma, fica mais forte e tem muito mais possibilidades de estar no mundo e lidar com ele.
O documentário Janela da alma vem trazer à baila às várias maneiras de ver o “real” que vai além da simples percepção, das características próprias das coisas percebidas, uma vez que o fenômeno perceptivo depende também do percebedor. A filosofia existencialista e fenomenológica de estar no mundo, nos diz que o mundo não é puramente exterioridade e o indivíduo não é pura interioridade, mas sim a saída de si para o mundo que tem significação para ele. O mundo e o sujeito revelam-se, reciprocamente, como significações. O eu vive no mundo, mas não se encontra delimitado. Aquilo que se vivencia no momento atual (aqui e agora), pode dirigir o pensamento do sujeito para o que vivenciou, bem como para a expectativa para o que vai vivenciar.
De acordo com as leis gestálticas de percepção (proximidade, similaridade, direção, disposição objetiva, destino comum, pragnanz) observamos que os depoimentos tentam minimizar a necessidade da visão considerada perfeita, chegando, como no depoimento de Hermeto Pascal que romantiza a cegueira, em que o deficiente visual veria o transcendente, ou seja, aquilo que está além da percepção visual, uma vez que o que interessa não é apenas o ver, mas o ver-se; não a imagem do outro, mas o outro como espelho, pois é nos olhos do outro que bem ou mal, nos enxergamos.
A experiência de uma percepção passada de um objeto ou forma, influencia ou não a visão de um objeto que se está vendo aqui e agora. O presente ou aqui e agora convivem com o organismo e com o passado que é uma história, numa relação figura – fundo, de todo e parte. O depoimento de Marjut Rimminem nos mostra como essa relação pode ser devastadora, em que a percepção de sua genitora que a olhava como estrábica e repetia: “coitadinha tão feinha...” perpetuou mesmo após a correção do estrabismo cirurgicamente, pois ninguém notava a mudança. Evidenciando não só o que vemos e como vemos, mas também de que forma enxergamos a nós mesmos.
Campo é aquilo que define e contém toda a percepção e troca. O comportamento deixa de ser entendido apenas como resultado da realidade interna da pessoa e passa a ser analisado em função do campo que existe no momento em que ele acontece onde objetos e pessoas são vistos na sua relação total com o ambiente que o cerca. Essa perspectiva é notória no relato de Win Wenders que diz que prefere ver tudo enquadrado. Nessa percepção um bom enquadramento seria uma tentativa (imaginária na maioria das vezes) de melhor delimitar o campo que na verdade não admite tais precisões, sendo também uma forma de tamponamento de um excesso e da angústia da indiferenciação. A visão seria como uma mediação, baseada nos conceitos e percepções particulares de cada indivíduo, realizadas entre o olhar e o objeto, o diálogo e a subjetividade de cada ser com o real, no qual criamos.
Existem várias formas de ver o real, como relata a cineastra Agnes Varda: “A visão é alterada por sentimentos, sentimentos fortes?” revelando o estabelecimento entre a realidade espacial e a existencial. Apesar de o indivíduo ser um universo fechado ele se encontra dentro de um universo mais amplo com o qual se relaciona. O organismo é um sistema organizado, com o todo diferenciado em suas partes, sendo qualquer sujeito um ser integrado e consistente. Não se pode entender o todo a partir do estudo de suas partes separadas.
O homem é um ser-do-mundo com o outro e este fato é percebido no depoimento de Oliver Sacks que relata que a percepção do outro irá depender dos vínculos tecidos na relação, conduzindo o comportamento a ser regulado pelo meio comportamental em que se está inserido produzindo um comportamento molar o qual é visível a todos e o molecular que acontece no interior do indivíduo do qual só ele tem acesso.
Dessa forma, a visibilidade dos indivíduos que percebem de forma diferenciada o mundo e a si mesmo, sob as mais diversas condições, abre-se ao percebedor como um novo horizonte de significações que no mínimo, farão com que ele hesite antes de fazer discursos que simplifiquem, reduzam ou naturalizam as concepções sobre a realidade como algo fechado, pronto e independente, tendo várias possibilidades de perceber o mundo, seja ele consciente, inconsciente ou imposto por qualquer tipo de limitação física.