A doença é um produto da relação mútua da
qual agressor e agredido interagem de maneira contínua, com interesses
conflitantes. No processo patológico não deve deixar de serem considerados os
aspectos familiares, ambientais, circunstanciais, os eventos objetivos,
subjetivos, conscientes e inconscientes, os quais são mediados por um sistema
de neurotransmissão que não podem ser considerados de maneira retilínea e
uniforme como causa e consequência, mas sim como um mediador do fenômeno
patológico.
O processo de patologia mental é o resultado
do construto social, em que as sensações e sentimentos corporais se originam em
parte de estímulos externos, em parte de estímulos internos, nas representações
e pensamentos, como também podem ser desencadeados por doenças. O que
caracteriza o ser-no-mundo de cada indivíduo provém da maneira com este dá
significado às experiências e de como elas são significadas em função do
aprendizado, formal e informal, e do potencial biológico (genético e ambiental)
de cada um. A criança no início de sua aprendizagem formal deve apresentar: a)
maturidade intelectual; b) emancipação emocional de seus pais, com a
possibilidade de uma interação extrafamiliar e c) capacidade para controlar
seus afetos e suas respostas emocionais, bem como a resistir a frustrações e a
demanda do meio.
Um transtorno psicológico
é uma resposta que não é “normal” nem esperada no que diz respeito ao aspecto
cultural. No caso do garoto Francie, percebe-se que ele possuía maturidade
intelectual, inclusive era bastante inteligente para a sua faixa etária, porém
lhe faltou à emancipação emocional dos pais, que compunha uma estrutura
familiar em que o pai era um músico, alcoolista, fracassado; a mãe apresentava
sintomas compatíveis com o transtorno maníaco-depressivo, tinha uma compulsão
em fazer doces, havia tentado o suicídio e por esse motivo foi internada no
hospital psiquiátrico. Faltando-lhe também a capacidade para resistir às frustrações
e demandas do meio, uma vez que ele vivia no contexto social extremamente
hostil, coercitivo, num ambiente doentio que o levou ao adoecimento psíquico.
Francie se caracterizou como ser-no-mundo como
um produto das relações entre o plano genético e das suas experiências pessoais
era uma “bomba” ambulante, em que suas ações sempre tinham como objetivo tirar
proveito em algo e machucar os demais. Tudo cercado por um falso sentimento de
culpa ou preocupação.
Carregado
pela herença genética que o predispunha a agitação, ansiedade, agressividade, os
quais foram reforçados pelo contexto no qual ele estava inserido, ajudando-o a
se tornar uma criança cujos comportamentos eram caracterizados pelos sintomas
de transtorno de conduta associado ao transtorno de personalidade esquizotípica,
em que apresentava um padrão repetitivo e persistente de conduta anti-social,
agressiva, desafiadora, incendiária, com mentiras repetitivas, instável e fuga
de casa.
Por personalidade entende-se como aquilo que
“somos”, que nos constitui, e isso inclui comportamentos, sentimentos, ações e
as maneiras como percebemos e lidamos com o outro. A formação dessa
personalidade, ou estrutura, ocorre durante longos anos da nossa existência
sendo um processo gradual, complexo e contínuo, que tem início na infância se
reafirmando na adolescência, chegando na fase adulta como um padrão consistente
na relação com o meio, em que a família, religião, valores e educação têm um
papel importante nessa formação.
Nessa perspectiva está Francie num contexto
familiar sem qualquer parâmetro de valores morais, sem cuidados e com figuras
parentais que constroem a sua personalidade de forma patológica gerando um
indivíduo com prejuízo na adaptação e na relação com o meio, produzindo
sofrimento psíquico para ele e para os que o cercam. As percepções que Francie
faz de si e dos outros está totalmente alterada e mal adaptada, apresentando
uma falha de conduta, sendo danoso para si e para os outros.
Dramático, imprevisível, irregular,
manipulador, não sabe ouvir um “não” como resposta. O seu único e verdadeiro
relacionamento é com o garoto Joe do qual exigia uma atenção especial e
qualquer negação por parte de Joe era encarado com muita profundidade, demonstrando
um medo desproporcional de abandono sendo capaz de fazer tudo o que estivesse
ao seu alcance para não perder essa amizade.
O desenvolvimento da sua
psicopatologia se dar através de sua predisposição genética aliada ao reforço
diário que ele tem de seus pais e da sociedade em que ele está inserido. Após a
morte de sua mãe ele vai trabalhar num açougue para ajudar a complementar a
renda familiar presenciando atos de violência na matança dos porcos, aguçando
ainda mais o seu padrão agressivo. O ápice
da sua patologia se instaura quando ele percebe que a sua amizade com Joe está
ameaçada pela senhora Nugent que o rotula como uma criança má. E esse
sentimento de perda daquilo que o completa que lhe transmite a sensação de
pertença num mundo lhe consome psicologicamente. Ele vai encontrar refúgio na
imaginação numa mistura entre elementos religiosos, revistas em quadrinhos,
filmes e seriados de classe B.
Sempre cercado por hostilidade e solidão, apresenta
dificuldades na expressão verbal de afeto, desenvolvendo relações
interpessoais, de forma características ao desenvolvimento emocional dos
componentes da família da qual faz parte. Gerando, a partir disso, um novo
mundo que cria novos estados mentais que constituem um novo ser. Assim, as
relações intrafamiliares são retroalimentadas, com cada elemento influindo
diretamente nos outros. Francie oscilava de um retraimento seguido por um surto
de comportamento violento, agressivo ou homicida direcionado a pessoa ou
objetos que foram precipitados pelos insultos que a senhora Nugent direcionava
a ele.
Tomando como parâmetro o
conceito de evolução que é um processo de adaptação, pode-se entender que
Francie evoluiu e se adaptou convenientemente a situação nova, como a morte dos
pais e a perda da amizade de Joe combinando de outra forma as mornas de
condutas ditas aceitáveis. A capacidade de solucionar os problemas foi
profundamente influenciada pelo aprendizado que ele teve.
Dessa forma, o processo
psicopatológico de Francie desencadeou-se a partir de sua predisposição
genética estimulada pelas contingências ambientes, que condicionaram o seu
comportamento agressivo, dramático, mentiroso e imprevisível, bem como a sua
forma de estar no mundo.
Referências
JORDAN,
Neil. Nó
na garganta. EUA, 1997. Duração: 109 minutos.
ASSUMPÇÃO
JR. Francisco B. Psicopatologia Evolutiva. Porto Alegre: Artemed, 2008. (PP. 25 – 88).
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